Minha formação: Clément Rosset

No domingo, 8 de junho de 2003, o extinto Caderno Mais! do jornal Folha de São Paulo publicou uma página com entrevistas feitas com 10 intelectuais. Tive certa desconfiança da escolha dos entrevistados, pois entre eles encontram-se pessoas a quem não daria, em hipótese nenhuma, o referente intelectual.
Mesmo com essa suspeita sobre a matéria, transcreverei aquelas que julgo valerem a pena ser lidas.
As perguntas eram:
1. Qual é o filósofo que mais influenciou a sua formação intelectual?
2. Qual o filósofo que mais responde a suas inquietações atuais?
3. Qual o filósofo contemporâneo que lê com mais atenção?
A entrevista de hoje é com Clément Rosset.

O REINADO DO FALSO NIETZSCHE

1. Nietzsche, sem hesitação. Sem as leituras de Nietzsche, particularmente “O Nascimento da Tragédia”, por volta dos 18 anos, eu talvez não tivesse sido filósofo, mas professor de letras ou músico. Na época, eu estava profundamente incomodado com Platão e o Sócrates platônico que nos apresentavam na escola como um ícone da sabedoria e do bem; acabei por concluir que eu era o único ser no mundo a pensar o contrário. A leitura da “O Nascimento da Tragédia” foi para mim um violento choque afetivo: eu não era o único no mundo, éramos pelo menos dois. Devo no entanto atenuar um pouco essa declaração bastante banal (quem hoje não invoca o testemunho de Nietzsche?). Parece-me que o Nietzsche no qual me inspirei tem muito pouca relação com aquele que, após a leitura de Nietzsche por Heidegger (leitura que é para mim um total contra-senso), influenciou e continua a influenciar todos os autores franceses que invocaram o nietzscheísmo, com a notável exceção do Gilles Deleuze de “Diferença e Repetição”. Acrescentarei também que esse falso Nietzsche que reina hoje na ideologia francesa não merece certamente, em minha opinião, obter mais espaço no ensino. Antes de Nietzsche, ainda mais jovem -14 anos em relação ao primeiro, 16 em relação ao segundo-, fiquei muito impressionado pela leitura de trechos de Schopenhauer e pela leitura dos “Pensamentos” [ed. Martins Fontes] de Pascal, dois autores que também contribuíram muito em minha orientação para a filosofia, assim como, mais tarde, Lucrécio e Espinosa.

2. À questão que lhe colocavam com frequência, “O que sente diante de uma obra de arte?”, Dalí respondia: “Salvador Dalí nunca sentiu absolutamente nada diante de uma obra de arte”. Em meu modesto nível, confesso nunca ter-me colocado “interrogações” filosóficas. Interesso-me mais pela verdade ou a falsidade das teses, por sua pertinência ou não-pertinência. Os filósofos que admiro me impuseram mais respostas do que responderam a questões prévias de minha parte.

3. Nenhum. Há muito poucos filósofos por século. Teríamos dificuldade de encontrar mais de 20 desde Parmênides [século 5º a.C.]. No que se refere ao século 20, conheço apenas dois: Bergson e Wittgenstein. Não incluo Heidegger, que considero antes de tudo um grande escritor e um homem do século 19.